Página:A Relíquia.djvu/336

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debaixo do manto côr de vinho, que lhe cobria a cabeça, as folhas da corôa de louro pendiam raras e murchas.

Topsius gritou-lhe: «Eh, Rapsodo!» E quando elle, tenteando as urzes do caminho, se acercou — o douto Historiador perguntou-lhe se das dôces Ilhas do mar trazia algum canto novo. O velho ergueu a face entristecida; e muito nobremente murmurou que uma mocidade imperecivel sorri nos mais antigos cantos da Hellenia. Depois, tendo assentado a sandalia sobre uma pedra, tomou a lyra entre as mãos vagarosas; a criança, direita, com as pestanas baixas, pôz á bôca uma flauta de cana; e, no resplandor da tarde que envolvia e dourava Sião, o Rapsodo soltou um canto já tremulo, mas glorioso e repassado de adoração, como ante a ara d’um templo, n’uma praia da Ionia... E eu percebi que elle cantava os Deuses, a sua belleza, a sua actividade heroica. Dizia o Delphico, imberbe e côr d’ouro, afinando os pensamentos humanos pelo rythmo da sua cythara; Atheneia, armada e industriosa, guiando as mãos dos homens sobre os teares; Zeus, ancestral e sereno, dando a belleza ás raças, a ordem ás cidades; e acima de todos, sem fórma e esparso, o Fado, mais forte que todos!