Saltar para o conteúdo

Página:A cidade e as serras (1912).djvu/140

Wikisource, a biblioteca livre
A CIDADE E AS SERRAS

se agacha no seu mantéu ao calor da lareira. E para os que não tenham lenha ou couve, lá está o João das Quintas, ou a tia Vicência, ou o abade, que conhecem todos os pobres pelos seus nomes, e com eles contam, como sendo dos seus, quando o carro vai ao mato e a fornada entra no forno. Ah Portugal pequenino, que ainda és doce aos pequeninos!

Suspirei, Jacinto preguiçava. E terminámos por remexer languidamente os jornais que o mordomo trouxera, num monte facundo, sobre uma salva de prata — jornais de Paris, jornais de Londres, Semanários, Magazines, Revistas, Ilustrações... Jacinto desdobrava, arremessava: das Revistas espreitava o sumário, logo farto; às Ilustrações rasgava as folhas com o dedo indiferente, bocejando por cima das gravuras. Depois, mais estirado para o lume:

— É uma seca... Não há que ler. E de repente, revoltado contra este fastio opressor que o escravizava, saltou da poltrona com um arranque de quem despedaça algemas, e ficou erecto, dardejando em torno um olhar imperativo e duro, como se intimasse aquele seu 202, tão abarrotado de Civilização, a que por um momento sequer fornecesse à sua alma um interesse vivo, à sua vida um fugitivo gosto! Mas o 202 permaneceu insensível; nem uma luz, para o animar, avivou o seu brilho mudo: só as vidraças tremeram sob o embate mais rude de água e vento.

Então o meu Príncipe, sucumbido, arrastou os passos até ao seu gabinete, começou a percorrer todos os aparelhos completadores e facilitadores da Vida — o seu Telégrafo, o seu Telefone,

132