Página:A cidade e as serras (1912).djvu/141

Wikisource, a biblioteca livre
A CIDADE E AS SERRAS

o seu Fonógrafo, o seu Radiómetro, o seu Grafofone, o seu Microfone, a sua Máquina de Escrever, a sua Máquina de Contar, a sua Imprensa Eléctrica, a outra Magnética, todos os seus utensílios, todos os seus tubos, todos os seus fios... Assim um Suplicante percorre altares de onde espera socorro. E toda a sua sumptuosa Mecânica se conservou rígida, reluzindo frigidamente, sem que uma roda girasse, nem uma lâmina vibrasse, para entreter o seu Senhor.

Só o relógio monumental, que marcava a hora de todas as capitais e o curso de todos os planetas, se compadeceu, batendo a meia-noite, anunciando ao meu amigo que mais um Dia partira levando o seu peso — diminuindo esse sombrio peso da Vida, sob que ele gemia, vergado. O Príncipe da Grã-Ventura, então, decidiu recolher para a cama — com um livro... E durante um momento, estacou no meio da Biblioteca, considerando os seus setenta mil volumes estabelecidos com pompa e majestade como Doutores num Concílio — depois as pilhas tumultuarias dos livros novos que esperavam pelos cantos, sobre o tapete, o repouso e a consagração das estantes de ébano. Torcendo molemente o bigode caminhou por fim para a região dos Historiadores: espreitou séculos, farejou raças; pareceu atraído pelo esplendor do Império Bizantino; penetrou na Revolução Francesa de onde se arredou desencantado; e palpou com mão indeliberada toda a vasta Grécia desde a criação de Atenas até à aniquilação de Corinto. Mas bruscamente virou para a fila dos Poetas, que reluziam em marroquins claros, mostrando, sobre a lombada, em ouro, nos títulos

133