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A CIDADE E AS SERRAS

sobre um divã, de braços em cruz, como sé fosse a sua estátua de mármore sobre o seu jazigo de granito, positivamente o abanei com furor, berrando:

— Acorda, homem! Vamos para Tormes! O casarão deve estar pronto, a reluzir, a abarrotar de coisas! Os ossos de teus avós pedem repouso, em cova sua!... A caminho, a enterrar esses mortos, e a vivermos nós, os vivos!... Irra! São cinco de Abril!... É o bom tempo da serra!

O meu Príncipe ressurgiu lentamente da inércia de pedra:

— O Silvério não me escreveu, nunca me escreveu... Mas, com efeito, deve estar tudo preparado... Já lá temos certamente criados, o cozinheiro de Lisboa... Eu só levo o Grilo, e o Anatole que enverniza bem o calçado, e tem jeito como pedicuro... Hoje é domingo.

Atirou os pés para o tapete, com heroísmo:

— Bem, partimos no sábado!... Avisa tu o Silvério!

Começou então o laborioso e pensativo estudo dos Horários — e o dedo magro de Jacinto, por sobre o mapa, avançando e recuando entre Paris e Tormes. Para escolher o «salão» que devíamos habitar durante a temida jornada, duas vezes percorremos o depósito da Estação de Orleães atolados em lama, atrás do Chefe do Tráfico que entontecia. O meu Príncipe recusava este salão por causa da cor tristonha dos estofos; depois recusava aquele por causa da mesquinhez aflitiva do Water-Closet! Uma das suas inquietações era o banho, nas manhãs que passaríamos rolando. Sugeri uma banheira de borracha. Jacinto, indeciso, suspirava...

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