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A CIDADE E AS SERRAS

E subiu a gasta escadaria do seu solar com amargura e rancor. Em cima uma larga varanda acompanhava a fachada do casarão, sob um alpendre de negras vigas, toda ornada, por entre os pilares de granito, com caixas de pau onde floriam cravos. Colhi um cravo amarelo — e penetrei atrás de Jacinto nas salas nobres, que ele contemplava com um murmúrio de horror. Eram enormes, duma sonoridade de casa capitular, com os grossos muros enegrecidos pelo tempo e o abandono, e regeladas, desoladamente nuas, conservando apenas aos cantos algum monte de canastras ou alguma enxada entre paus. Nos tectos remotos, de carvalho apainelado, luziam através dos rasgões, manchas de céu. As janelas, sem vidraças, conservavam essas maciças portadas, com fechos para as trancas, que, quando se cerram, espalham a treva. Sob os nossos passos, aqui e além, uma tábua podre rangia e cedia.

— Inabitável! — rugia Jacinto surdamente. — Um horror! Uma infâmia!...

Mas depois, noutras salas, o soalho alternava com remendos de tábuas novas. Os mesmos remendos claros mosqueavam os velhíssimos tectos de rico carvalho sombrio. As paredes repeliam pela alvura crua da cal fresca. E o sol mal atravessava as vidraças — embaciadas e gordurentas da massa e das mãos dos vidraceiros.

Penetrámos enfim na última, a mais vasta, rasgada por seis janelas, mobilada com um armário e com uma enxerga parda e curta estirada a um canto; e junto dela parámos, e sobre ela depusemos tristemente o que nos restava de vinte e três malas — o meu paletó alvadio, a bengala

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