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A CIDADE E AS SERRAS

reconhecer as velhas figuras, sempre com o mesmo sorriso, o mesmo pó de arroz, as mesmas pálpebras amortecidas, os mesmos olhos farejantes, a mesma imobilidade de cera! O romancista da Couraça passou numa vitória, fixou em mim o monóculo defumado, mas permaneceu indiferente. Os bandós negros de Madame Verghane, tapando-lhe as orelhas, pareciam ainda mais furiosamente negros entre a harmonia de todo o branco que a vestia, chapéu, plumas, flores, rendas e corpete, onde o seu peito imenso se empolava como uma onda. No passeio, sob as Acácias, espapado em duas cadeiras, o director do Boulevard mamava o resto do seu charuto. E num grande landau, Madame de Trèves continuava o seu sorriso de há cinco anos, com duas prègazinhas mais moles aos cantos dos lábios secos.

Abalei para o Grand-Hotel, bocejando, — como outrora Jacinto. E findei o meu dia de Paris, no Teatro das Variedades, estonteado com uma comédia muito fina, muito aclamada, toda faiscante do mais vivo parisianismo, em que todo o enredo se enrodilhava à volta duma Cama, onde alternadamente se espojavam mulheres em camisa, sujeitos gordos em ceroulas, um coronel com papas de linhaça nas nádegas, cozinheiras de meias de seda bordadas, e ainda mais gente, ruidosa e saltitante, a esfuziar de cio e de pilhéria. Tomei um chá melancólico no Julien, no meio de um áspero e lúgubre namoro de prostitutas, fariscando a presa. Em duas delas, de pele oleosa e cobreada, olhos oblíquos, cabelos duros e negros como crinas, senti o Oriente, a sua provocação felina... Interroguei o criado, um medonho ser, duma obesidade

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