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CONDORCET
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bem da humanidade, e que, em suas viagens á França, gozou da felicidade de ouvil-o desinvolver seus planos, patenteando sua alma inteira.

K
Dois casos verdadeiros relativos aos sentimentos dos brancos para com os negros escravos.
VEJA-SE PAG. 90.

Interrogados, os senhores d’escravos vos dirão que os negros são uma canalha abominavel, que são tratados muito bem, que todas as atrocidades imputadas na Europa aos se- nhores são pura phantasia.

Evitai, porém, interrogai os; tomai cuidado sobretudo de não contrariar seus principios de tyrannia; calai-vos, ainda que fazendo violencia a vossos sentimentos; e então, ouvireis d’elles proprios a verdade, e vos contarão sem querer aquillo que não ousariam responder-vos.

Referiremos aqui dous traços que provam, o primeiro quão longe estam em geral os Europêos de considerar os negros seus semelhantes, e o segundo que, felizmente, ha excepcções honrosas para o espirito humano.

— Em 1761 naufragou na Ile de Sable o navio denominado Utile. O capitão, Snr. de la Fargue, seus officiaes e a equipapagem, composta de negros e brancos, consumiram 6 mezes na construcção de uma canôa, qne depois de prompta, verificou-se só poder conter os brancos. Tresentos negros, entre homens e mulheres, consentiram na partida d'elles sob a promessa solemne de que, chegado á Ilha de França, o capitão Fargue enviaria um navio para conduzir seus infelizes companheiros de naufragio. A canôa chegou com felicidade ã Madagascar. Pedio-se á administração da Ilha de França um navio para ir em busca dos negros que tinham sido deixados em uma ilha quasi inteiramente coberta d’agua, sem arvores nem plantas, em que esses 300 desgraçados não tinham por leito senão a terra humida e por nutricção côcos, ovos de aves marinhas, algumas tartarugas, e o peixe e os passaros que pódessem apanhar á mão. Porém, o Snr. des Forges, então governador, recusou enviar o navio, sob o pretexto de que corria o risco de ser aprisionado. Decorridos 13 annos de paz, o cavalheiro