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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

friagem, do relento... Mas, junto da caleche, Sanches Lucena ainda emperrou para affirmar a Gonçalo, com a descarnada mão sobre o encovado peito, que aquella tarde lhe ficava celebre...

— Porque vi uma cousa que poucas vezes se terá visto: o maior fidalgo de Portugal, a pé pela estrada de Corinde, levando á rédea no seu proprio cavallo um cavador de enxada!

Ajudado por Gonçalo, trepou emfim pesadamente ao estribo. D. Anna já se enterrára nas almofadas, alçando entre as mãos, como uma insignia, o cabo rebrilhante da luneta d’ouro. O trintanario tambem se entezou, cruzou os braços: e a caleche apparatosa, com as manchas brancas das rêdes dos cavallos, mergulhou no silencio e na penumbra da estrada, sob a espalhada ramaria das faias.

«Que massada!» exclamou Gonçalo. E não se consolava de tarde tão linda assim desperdiçada... Intoleravel, esse Sanches Lucena, com o Snr. D. Fulano e o Snr. D. Sicrano, e a sua gula de «róda fina», e «tudo d’elle» por collina e valle! A mulher, explendida péça de carne, como filha de carniceiro, — mas sem migalha de graça ou alma. E que voz, Jesus, que voz! Gente pedante e sabuja... — E agora só desejava recuperar a sua egoa, galopar para a Torre, e desabafar com o Titó, familiar da Feitosa! o seu ásco por toda aquella Sancharia.