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parte de utilidade, pelas simplices medicinaes, de virtudes mais ou menos problematicas, que o velho n’elle cultivava.

Vicente tinha entranhada a paixão vegetal, deixem-me assim chamar-lhe. Adorava as plantas pelas suas flores, pelos seus fructos e pelos poderes curativos que lhes attribuia. E como se ellas possuissem a responsabilidade dos effeitos produzidos, assim lhes queria e as amimava, quando salutares; assim as aborrecia e maltratava, quando nocivas. A vida isolada e o genio do velho, que sempre fôra dado a singularidades, augmentaram estas disposicões, que tinham o que quer que era de pantheistico; e não era raro surprehenderem-o conversando com ellas, como se convencido de que o estavam comprehendendo.

A borragem, a salva, a fumaria, a herva terrestre, a herva moura, os trevos, os geranios, as papoulas, as violetas, tão boa camaradagem lhe faziam, que nem lhe deixavam sentir a solidão.

O herbanario não tinha pessoa alguma ao seu serviço. Elle proprio cozinhava e por suas mãos fazia todos os mesteres domesticos.

É pois de imaginar que não seria muito complicado o banquete das consoadas n’aquella casa, e que devia formar em tudo contraste com o que á mesma hora se celebrava no Mosteiro.

De feito, quando alli eram mais ruidosas as conversas e mais espontaneos os risos, dois homens apenas, sentados um defronte do outro, a uma pequena mesa circular, solemnisavam n’aquella modesta sala o santo anniversario. Um era o proprietario da casa, o outro Augusto, um dos poucos que se atrevia a frequentar áquellas horas mortas a habitação do velho.

Além da mesa, sobre a qual estava uma ceia composta de queijo, maçãs, nozes, castanhas, duas sopeiras com escabeche, especialidade na confecção da qual o herbanario era eminente, e uma garrafa