Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/372

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áquelle pobre homem esperanças, que eu mesma não tenho.

—­Que disse o cirurgião?

—­Nada animador.

—­Como capitulou a molestia?

—­Não sei quê de cerebro; nem eu quiz saber. Nunca pude comprehender a necessidade que tem certa gente de conhecer a natureza da doença que lhes ameaça roubar uma pessoa querida. Perdel-a où salval-a, é a questão que me interessa. Tudo o maïs me é indifférente. N’uma pessoa doente vejo um espirito que hesita entre deixar-me e permanecer. Aos medicos peço que removam, se podem, aquillo que o faz partir, mas não quero saber o que é. Julgo natural ao sentimento o considerar assim a molestia e a morte.

—­Á maneira da arte, ainda que hoje o diagnostico entrou na litteratura, prima. Mas a proposito do Herodes; deixe-me dizer-lhe que está sendo muito commentada na aldeia a violencia d’elle contra o missionario. É voz constante que fizera aquillo por influencia nossa, e as honras d’aquella bem empregada sóva são-nos tambem concedidas inteiras. Imagine o clamor que por ahi vae!

—­Deixe clamar—­respondeu Magdalena, encolhendo os hombros.

—­Deixo, deixo. Eu sou odiado como um Lucifer, feito homem; seguem-me, quando eu passo, uns olhos rancorosos, e adivinho que na ausencia não sou muito bem tratado.

—­É bom acautelar-se. Não os irrite. Viu que não era prudente.

—­Não receie. Esta gente a final é cobarde.

—­Tanto peor. O inimigo cobarde é maïs para temer. Bem sabe. Foi uma desastrada ideia aquella da nossa ida ao sermão do missionario.

—­Parece-lhe? Eu não estou arrependido. Bastava-me, como recompensa, o ter presenciado o accesso de furor rábico do homem.