tão subido e ideal conceito como a morgadinha, achava muito natural que effectivamente o comprometesse a carta alludida. Conhecendo bastante Magdalena, sabia quanto seria cruel para o seu extremoso coração de filha, e para o seu caracter apaixonado por tudo quanto era idealmente nobre, generoso e justo, o descobrir no pae uma d’essas máculas frequentes na vida dos homens politicos, por minima e desvanecida que fôsse. Por isso quiz evitar-lhe a leitura. Não o conseguiu, porém. Magdalena, com aquella firmeza de resolução que energicamente se lhe revelava na voz e no gesto, disse, estendendo a mão para receber os periodicos:
— Deixe-me vêr, primo Henrique. Não é possivel que de meu pae se diga ahi alguma coisa que não devam ler os olhos de uma filha.
E quasi arrebatou das mãos de Henrique a folha, justamente aquella de que elle mais receiava.
E, abrindo-a, examinou-a com anciedade quasi febril.
Henrique observava com curiosidade os movimentos e a physionomia de Magdalena.
Viu-a tornar-se de repente mais attenta á leitura; os olhos, que até alli vagueavam por diversas secções do periodico, fixaram-se n’um ponto; contrahiu-se-lhe a fronte; um ligeiro tremor correu-lhe os labios; córou e empallideceu alternadamente; e no fim, afastando de si a folha com um movimento nervoso e apaixonado, exclamou, sob o dominio de uma commoção profunda:
— Ó meu Deus! E não ter um coração, como o d’elle, a fôrça precisa para fugir d’estes enredos! Isto é de enlouquecer!...
Henrique pegou na folha, que ella arrojou de si com impeto, e examinou-a.
Tinha conjecturado bem.
O caso devia consternar Magdalena, para quem o conselheiro era um homem tão perfeito na vida politica e na vida social, como na vida de familia.