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Página:A mortalha de Alzira (1924).djvu/203

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sinceridade do meu desespero, cedeu à eloqüência da minha dor! Quando minha alma, recendendo o aroma do primeiro beijo que recebi de Ângelo, penetrou nos céus e foi arrojar-se aos pés de Deus, todos os seus anjos choraram com a minha mágoa de amor, e uniram as suas vozes celestiais à minha súplica terrestre.

E, recuperando o ar de satisfação com que entrara:

— Ah! mas agora estou resplandecente de alegria.

E passou os braços em volta do pescoço do seu companheiro, e perguntou-lhe com a boca junto aos lábios dele.

— Não é verdade, meu Ângelo, que todas as noites, mal o sol se esconda, serás meu, só meu, para sempre, como aqueles dois velhos amantes de três mil anos que ali vão abraçados?. . .

— Quem são eles?... perguntou Ângelo, observando as duas sombras que ela indicava.

— Esope e Rodope. Mas, responde, amado da minha alma; não é verdade que durante as doze horas do dia pertencerás à outra vida, mas durante a noite serás todo desta, onde estaremos juntos?. . . Fala!

E, como percebesse que Ângelo se intimidava com a presença dos espectros:

— Confundem-te os nossos companheiros?... criança que és tu! pensas que ainda estás na outra vida! Aqui o amor não é um mistério ou um pecado... ninguém aqui dissimula o que sente, porque ninguém