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Página:Alice Pestana (Caiel) - Retalhos de verdade (1908).pdf/36

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Collecção Antonio Maria Pereira

O que o Antonio esperava todos os dias era que a tia Amalinha, em algum momento de reviviscencia, lhe fizesse certas recommendações. Havia de querer pelo menos um cento de missas. E talvez lhe occorresse contemplar com um donativo especial o administrador.

Mas a tia Amalinha, quando melhorava e estava lucida, d'aquella luz tibia que fôra o seu modesto quinhão de potencia intellectual durante a vida, como que refugia do tremendo assumpto da morte. O que ella dizia era que ainda esperava pôr-se melhorzinha e ir a Lisboa ver a Chica, aquella sobrinha de quem tanto ouvira falar e que ainda não tinha o gosto de conhecer.

E elle vinha-lhe desembaraçadamente com a mentira que ideara para justificar a ausencia da mulher: um adiantado estado de gravidez que tornava incommoda e até perigosa uma tão longa viagem de caminho de ferro. E, para explorar bem este filão sentimental, já tinha dito á tia que, se o que estava para vir fosse femea, se chamaria Amalia, como a avósinha.

A ausencia da Chica no solar da tia Amalinha era intencional e calculada por parte do Antonio. O caracter independente da mulher, absolutamente refractario a curvaturas de espi-