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Simão chamou o ferrador, e disse-lhe:

— Meu caro João, se eu não tivesse dinheiro, aceitava sem repugnancia os seus favores, e creio que vocemecê m’os faria sem esperança de ganhar com elles; mas como recebi esta quantia, ha de consentir que eu lhe dê parte d’ella para os meus alimentos. Motivos de gratidão a dividas, que se não pagam, ainda me ficam muitos para nunca me esquecer de si, e da sua boa filha. Tome este dinheiro.

— As contas fazem-se no fim — respondeu o ferrador, retirando a mão — e ninguem nos ha de ouvir, se Deus quizer. Precisando eu de dinheiro cá venho. Por ora, ainda está a capoeira cheia de gallinhas, e o pão coze-se todas as semanas.

— Mas aceite — instou Simão — e dê-lhe a applicação que quizer.

— Em minha casa ninguem dá leis senão eu — replicou o mestre João, com simulado enfadamento — Guarde lá o seu dinheiro, fidalgo, e não fallemos mais n’isso, se quer que o negocio vá direito até ao fim. E victo-serio!

Nos cinco subsequentes dias recebeu Simão regularmente cartas de Thereza, umas resignadas e confortadoras, outras escriptas na violencia exasperada da saudade. Em uma dizia:

«Meu pae deve saber que estás ahi, e em quanto ahi estiveres, de certo me não tira do convento. Seria bom