Página:Amor de Perdição (1862).pdf/258

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teus prazeres de espirito queria eu que fosse meu. Era criança ha tres annos, Simão, e já entendia os teus anhelos de gloria, e imaginava-os realisados como obra minha, se me tu dizias, como disseste muitas vezes, que não serias nada sem o estimulo do meu amor.

Ó Simão, de que ceu tão lindo cahimos! Á hora que te escrevo estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.

Que importa morrer, se não podemos jámais ter n’esta vida a nossa esperança de ha tres annos?! Poderias tu com a desesperança e com a vida, Simão? Eu não podia. Os instantes do dormir eram os escassos beneficios que Deus me concedia; a morte é mais que uma necessidade, é uma misericordia divina, uma bemaventurança para mim.

E que farias tu da vida sem a tua companheira de martyrio? Onde irás tu aviventar o coração que a desgraça te esmagou, sem poder esmagar a imagem d’esta docil mulher, que seguiu cegamente a estrella da tua malfadada sorte?

Tu nunca hás de amar, não, meu esposo? Terias pejo de ti mesmo, se uma vez visses passar rapidamente a minha imagem por diante dos teus olhos enxutos? Soffre, soffre ao coração da tua amiga estas derradeiras perguntas, a que tu responderás, no alto mar, quando esta carta lêres.