Página:Amor de Perdição (1862).pdf/262

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Passada uma ancia, que lhe embargara a voz, Simão continuou:

— Se eu morrer, que tenciona fazer, Marianna!

— Morrerei, senhor Simão.

— Morrerá?!.. Tanta gente desgraçada que eu fiz!...

A febre augmentava. Os symptomas da morte eram visiveis aos olhos do capitão, que tinha sobeja experiencia de vêr morrerem centenares de condemnados, feridos da febre no mar, e desprovidos de algum medicamento.

Ao quarto dia, quando a nau se movia ronceira defronte de Cascaes, sobreveio tormenta subita. O navio fez-se ao largo muitas milhas, e perdido o rumo de Lisboa, navegou desnorteado para o sul. Ao sexto dia de navegação incerta, por entre espêssas brumas, partiu-se o leme defronte de Gibraltar. E, em seguida ao desastre, aplacaram as refegas, desencapellaram-se as ondas, e nasceu, com a aurora do dia seguinte, um formoso dia de primavera. Era o dia 27 de Março, o nono da enfermidade de Simão Botelho.

Marianna tinha envilhecido. O commandante, encarando n’ella, exclamou:

— Parece que volta da India com os dez annos de trabalhos já passados!...

— Já acabados... de certo... — disse ella.

Ao anoitecer d’esse dia o condemnado delirou pela ultima vez, e dizia assim no seu delirio:

«A casinha, defronte de Coimbra, cercada de arvores,