Página:Brasileiras celebres (1862).djvu/157

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de paz, exempta do comércio com o mundo, dirigindo fervorosas preces a Deus, viu transportada de alegria aproximar-se o mais feliz e desejado momento de toda a sua longa e trabalhosa vida. Já sua beleza, que tão iconograficamente nos transmitiu a pena do bispo de Terragona, dava que cuidar, pois essa estátua regular, esse corpo avultado e branco como flocos de neve, esses cabelos, que em negras madeixas lhe desciam até aos claros e torneados ombros, essa longa testa, esses olhos pretos brilhantes, essa boca e faces carmesíneas, formando um todo perfeito, iam pouco a pouco se tornando o objeto de louvores, quando, em conseqüência da morte de sua mãe, seu pai a conduzia ao mosteiro da Graça. Tomou o véu de religiosa do Monte Carmelo e em breve tornou-se célebre. Foi ela quem introduziu a reforma no mosteiro de Ávila, quem por seu zelo ardente e puras virtudes, adquiriu tanta influência, tamanho predomínio, que sucessivamente reformou quatorze conventos de religiosos e dezesseis de religiosas, e fez ainda mais: sua instituição atravessou o Oceano e veio aclimatar-se no Novo Mundo.

Ela de sua própria mão escrevera a sua vida; a primeira vez por conselho de seu confessor, dom Pedro Ibáñez, e depois a pedido de frei García de Toledo. Não há notícia alguma da primeira obra e quanto à segunda foi impressa, sendo que o autógrafo acha-se no Escorial muito bem conservado. Frei Antônio de S. José a verteu em linguagem portuguesa, e publicou-a ilustrada com muitas eruditas dilucidações. O grande poeta lírico, frei Luís de Leão, homem dotado de transcedente talento e que possuía muita soma de conhecimentos, igualmente começou de escrevê-la para satisfazer o desejo da imperatriz Maria, filha do célebre imperador Carlos V; mais, a morte lhe impediu que a concluísse. Foi mais feliz o padre dom Francisco da Ribeira, um de seus confessores, e a ele se devem muitas particularidades da vida desta santa, que só ele não ignorava.

Suas obras como que respiram um odor celeste, que enleva; ressumbra nelas um sentimento místico, uma expressão, que não fala ao coração, mas à alma; seu estilo é suave e fluente; porém aparecem aqui e ali seus defeitos, algumas faltas, e pequenas incorreções. As mais gabadas são uma alegoria intitulada Castelo da Alma,