O «Resto de Onça»
— Leram o conto do Arthur Pecegueiro?
— O immortal?
— Sim.
— Perdemos alguma coisa?
— Não perderam coisa nenhuma; aquillo é maçador. Confesso que bocejei de preguiça ao primeiros periodos e, consoante um velho habito, passei-o á minha cozinheira, velha mulata sabidissima, parenta da cozinheira de Molière.
— Josepha, lê-me isto e bota opinião.
A excellente creatura lavou as munhecas, diminuiu o gaz do fogão, acavallou no nariz os oculos através de cujos vidros costuma coar-se-lhe para o cerebro todo o rodapé dos jornaes, e empecegueirou-se durante meia hora. Ao cabo veiu ter commigo.
— Prompto, sinhozinho, está lido.
— E que tal? Bom?
Josepha tem um maravilhoso paladar quituteiro. Seus tútús com torresmo, o picadinho que ella faz, as muquecas!... São purissimas obras de arte capazes de re-matar de inveja ao proprio Vatel si elle acaso resuscitasse. Pois bem: o mesmo genio que a Zepha demonstra na confeição de uma obra prima culinaria, demonstra-o no julgamento das coisas de literatura. Tem o faro que não falha do rato, o qual, entre cem queijos, róe sempre o melhor. Por essa razão, quando eu duvido de mim proprio, appello para o seu juizo instinctivo, e acato a sentença como emanada do cerebro da propria Minerva.
— Então, Zepha? — insisti.
Ella refranziu os labios num muxoxo.
— Não féde, nem cheira, disse, é virado de feijão velho mexido com farinha mal torrada. Falta sal, tem gordura demais — parece comida feita pelas alumnas de cozinha da Escola Normal, concluiu num sorriso de «grognard» da velha guarda ao ouvir falar em proesas de conscripto.
— Mas, Zepha, que diz o homem afinal de contas?
— Não diz nada, engrola, engrola, vae p'ra lá, vem p'ra cá, e a gente fica na mesma. E' dos taes perobinhas que outro dia mecê chamou... como é?... pici... pici
— ... cologos, Psychologos. Os homens dos estados d'alma. Como elles tem alma postiça, importada