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O CASO DO TOMBO
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Engalfinharam-se, disputando, acirrados, o cinturão de ouro do Ornejo. Horror......

O borbotão de asneiras era uma caudal sem fim. O conselho já dava continuos signaes de cansaço. A tantas levantou-se um jurado e pediu permissão para ficar de cócoras no banco porque estava, «com perdão da palavra, com escande-scencia». Veja você!......

— Afinal.....

— Afinal foram os jurados para a sala secreta. A noite já ia alta. Os candieiros de petroleo, com os vidros fumados, modorravam funereamente. O Forum, deserto de curiosos, estava quasi ás escuras. O destacamento policial (duas praças e o cabo) cabeceava, dormindo em pé. Tres horas haviam corrido de somnolenta espectação quando da sala secreta saem os jurados com o papelorio. Entregam-m'o. Corro os olhos, e esfrio. Tudo errado! Era impossivel julgar com base na salada de batata e ovos que me fizeram elles dos quesitos. Era forçoso reenvial-os ao curral do conselho.

Expliquei-lhes novamente, com infinita paciencia, como deveriam proceder. Façam isto, assim, assado, entenderam?

— Entendemos, sim, senhor, respondeu o presidente, mas por via das duvidas era bom que o seu doutor mandasse cá dentro o João Carapina, a nos ajudar.

Abri a minha maior bocca, e olhei assombrado para o escrivão: E esta, amigo Chico?

O escrivão cochichou-me que era sempre assim. Em não sahindo sorteado o João Carapina não havia meio de vir coisa decente da sala secreta. E citou varios antecedentes comprobatorios.

Não me contive — berrei, chamei-lhes azemolas, asnos de Minerva, onagros de Themis, e fil-os trancafiar de novo na saleta.

— Ou a coisa vem conforme o formulario, ou vocês, cambada, ficam ahi a vida inteira!

Decorreu mais outra hora, e nada. Nenhum ruido promissor na sala secreta. Perdi a esperança e acabei perdendo a paciencia. Chamei o official de justiça e disse-lhe: — Vá me desentocar esse Carapina, e ponha-m'o cá, debaixo de vara, dormindo ou acordado, vivo ou morto! Depressa!....

O official muscou-se, lépido, e meia hora depois voltava com o carpinteiro dos nós gordios, a bocejar, estremunhado, de chinellas e cobertor vermelho no pescoço.

— Senhor João, metta-se na sala setreta, e amadrinhe-me esse lote de cavalgaduras. Com seiscentos milhões de réos, é preciso acabar com isto!

O carpinteiro foi introduzido na sala. Mas não demorou dois minutos — toc, toc, toc — bateu. O official de justiça abre. Surge-me o Carapina com cara idiota.

— Que ha? perguntei, escamado.

— O que ha, senhor doutor, é que não ha ninguem na sala: os jurados fugiram pela janella!....

— E deixaram em cima da mesa este bilhetinho para Vossa Excellencia.

Li-o. «Sr. Doutor Juiz, nos desculpe, mas nós condemnamos o bicho no gráo maximo.» Maximo foi a palavra que decifrei pelo sentido: estava escripto «máquecimo».

Levantei-me, possesso.

— Está suspensa a sessão! Senhor commandante, recolha o réo á..... Que é do réo?

Firmei a vista: não vi sombra de réo no banquinho. O comman-