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O PLAGIO

vel surpreza. O João Damasceno foi o primeiro a dar-lhe um abraço num vae-e-vem de café.

— Olha, li o teu «Never more», no «Lyrio». Esplendido! O final, então, divino! Tens miolo, meu caro! Pagas o chope?

Nesse dia Ernesto contou á esposa toda a vida do João, terminando scismatico: E' um caracter, Eucháris, um nobilissimo caracter..

O capitão Prelidiano, chefe da sua secção, foi commedido e pausado como o convinha á eminencia do seu tamanco: Li o seu trabalho, senhor Ernesto e gostei; termina com brilhantismo; continúe, continúe...

E o Claro Vieira? Fôra brutal, esse.

— Que optimo fecho arranjaste para o teu conto! O resto está pulha, mas o final é um morceau de roi!

O que nessa noite d. Eucharis ouviu relativo ao caracter baixo, infame e vil do Claro...

Ernesto entrou-se de receios. Pareceu-lhe que o Claro estava no segredo do «encontro de idéas». Como medida de precaução deu busca ao sebos em cata de quanto exemplar d´A Maravilha empoava por lá. Encontrou meia duzia, adquiriu-os e queimou-os com grande assombro de d. Eucharis que duvidou da integridade dos miolos maritaes ao vel-o transfeito em Torquemada de innocentes brochuras carunchosas.

Mas nem assim socegou.

— Quem me assegura não existirem outras, espalhadas ahi pelas bibliothecas publicas? Si ao menos houvesse variado a forma, conservando embora a idéa... Fôra audacioso, não havia duvida. Fôra tolo, pois não.

— Sou uma besta, bem m'o dizia o pae...

Ernesto arrependeu-se do plagiato — sim, porque afinal de contas, vamos e venhamos, era um plagio aquillo!

A consciencia proclamava-o de cabeça erguida, reagindo contra as chicanas peitadas em provar o contrario.

E Ernesto arrependia-se sobretudo por causa do «Dizem...» do «Chromo». Constava ser o Claro o enredeiro daquellas maldades e o Claro na mofina era quatro páos. Sabia revestir as palavras de um jossá urente de ortiga.

Fizera mal, porque afinal de contas um plagio.... é sempre um plagio.

Quando no domingo seguinte recebeu o «Chromo» tremeu ao correr os olhos pelo «Dizem...» Mas não vinha nada e respirou.

No «Recebemos e agradecemos» havia uma referencia ao conto, muito elogiosa para o remate.

Tambem a «Dahlia» desse dia trouxe algo: «O conto do sr. F. é um desses etc. etc. O final é uma dessas phrases que chispam belleza hellenica etc.»

— O final, sempre o final! Estão todos apostados em me fazer perder a paciencia. Ora pistolas!

Deblaterou contra os jornalistas. contra os amigos, contra os dez exemplares do «Lyrio» em seu poder — dez arautos do seu crime. E queimou-os.

Na repartição, a um novo elogio do Damasceno, Ernesto rompeu, desabridamente:

— Ora, não me seja besta !

Damasceno abriu a bocca.

Nas palavras mais innocentes o pobre autor via allusões ironicas, directas, claras, brutaes. Nem sim-