Ao som d'esta cantiga batia sola; o visinho lembrou-se de lhe fazer uma surpreza, e mandou-lhe uma grande rôsca cheia de dinheiro por dentro, que era para elle comer com sua mulher e filhos, e quando a partisse já não ter que se queixar da sorte. O sapateiro assim que recebeu a rôsca deu muitos agradecimentos ao visinho, mas como tinha tido uma doença em casa lembrou-se de ir levar de presente a rôsca ao medico a quem estava em divida. A mulher ficou muito contente com a lembrança e foi ella mesmo leval-a a casa do medico. Passados dias passou o visinho rico pela porta do sapateiro, e ouviu-lhe a mesma cantiga, e perguntou-lhe:
— Oh homem! pois você não comeu a rôsca com a sua familia?
O sapateiro contou o motivo porque se tinha visto obrigado a leval-a de presente ao medico. O rico foi-se embora, e passados dias mandou-lhe uns tóros de pinheiro, tambem cheios de dinheiro por dentro, dizendo que era para fazer o seu lume. Ora o sapateiro era visinho de um padeiro, de quem comia fiado, e para lhe ser agradecido levou-lhe os tóros de presente para queimar no forno. De outra vez passou o visinho rico pela porta do sapateiro e perguntou-lhe se já tinha rachado a lenha que lhe mandára; o homemsinho contou como se vira obrigado a levar os tóros de presente ao seu visinho padeiro, que lhe dava pão fiado. Vae o rico e disse-lhe:
— Você parece que tem razão em se queixar de que nasceu para ser pobre, porque a rôsca de pão e os tóros de pinheiro vinham por dentro recheadinhos de dinheiro. Agora ainda que lhe queira fazer bem já não posso, nem trago nada commigo. O mais que lhe posso dar é esse pedaço de chumbo que achei ali no caminho.
O sapateiro pegou no bocadinho de chumbo, e como de nada lhe servia deitou-o ali para um canto, e continuou a trabalhar ao som da mesma cantiga. De noite