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No México, a vida provou ser ainda mais dura do que no Chile. Morando de favor e buscando meios de sobrevida, fazendo trabalhos informais de tradução de livros técnicos, meus pais e eu não passamos a melhor fase. Foram dois longos anos. Longe de todos e de tudo. Eu era muito pequeno, mas tenho a nítida lembrança do meu pai deprimido, sem muita perspectiva.

Comigo havia um problema legal. Uma vez fugido do Chile, eu era um despatriado. Meus documentos originais ficaram no Chile e eu não era mexicano nem brasileiro. Ainda por conta da cidadania de Dona Jennie, terminei sendo reconhecido como mexicano. Não tinha completado dois anos, mas já era forçado a ter duas nacionalidades. O reconhecimento foi tamanho, que ganhei nova certidão de nascimento. Era como se nunca tivesse sido chileno. Era algo que sempre se quis apagar da história. Afinal, o 11 de setembro, quando morreram/desapareceram mais de 20 mil pessoas, não aconteceu em 2001, foi em 1973, e teve lugar em Santiago do Chile.

Agora eu era o mais novo cidadão mexicano, filho de pais traumatizados e deprimidos. Que fantástica infância!

No México, ficamos por dois anos. Através da ajuda daquele embaixador sueco no Chile, a família foi premiada com bolsas integrais para irem estudar na Suécia. E, assim, toda a família, mais uma vez, migrou. Desta vez para o velho continente.

Como não poderia deixar de ser, esse foi um salto “da frigideira para o fogo”. Afinal, Upssala, no norte da Suécia, é tão parecida com o México quanto Casa Blanca se parece com Paris: fria, isolada, e por que não dizer, desolada?

Lá, tive que aprender o idioma viking. Difícil a vida. Mas aprendi sueco a ponto de ajudar meus pais. Vivíamos em um sistema quase segregário, pois a cidade de Uppsala, que é uma cidade universitária, separava os blocos de edifícios de acordo com a naturalidade. Então, locais e estrangeiros viviam em setores separados.

Lembro de meu pai ouvindo sem parar “As Quatro Estações de Vivaldi”, sob o sol da meia-noite no ártico.

20 | Anahuac de Paula Gil