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Página:Diana de Liz - Memorias duma mulher da epoca.pdf/47

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duma mulher da epoca


ciume, de miseria ou de ambição. Junto das janelas iluminadas que lantejoulavam a cidade nocturna, tornando-a semelhante ao manto dum estrião gigantesco, outras janelas haveria, mergulhadas na treva, sobre cujos parapeitos deviam debruçar-se frontes febris, insatisfeitas, de mulher. E muitos homens sofreriam, tambem, ocultos na obscuridade daquela noite sem lua, as suas decepções, as suas humilhações, as suas amarguras, a morte dos seus mais belos sonhos, assassinados por um ruim destino...

Quantas almas feridas nas arestas da vida sangrariam, naquele instante, espalhadas pelo mundo?

Estas reflexões não me trouxeram, porém, consolação. Descaiu-me, num dos braços, a cabeça perturbada; chorei silenciosamente, por mim e por todas as mulheres que, nesse minuto, se batiam, como eu, em dolorosos raciocinios.

27 de Março

A manhã está esplendente. Esta luz que poisa num ângulo da minha pequena secretária é leve e cariciosa. Vasco saíu hoje muito cêdo. Devem trazer-me logo uma gatinha felpuda, que vi e cubicei há poucos dias e cujos olhos recordam o oiro fosco de certas joias antigas.

Tenho lírios amarelos na sala de visitas e um

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