Página:Eneida Brazileira.djvu/128

Wikisource, a biblioteca livre

Nem inda sentes, misera, os perjurios
Da raça laomedoncia? E então! sózinha
Irei atrás de aventureiros nautas,
Ou com todo o poder dos meus Sidonios?
595E os que arranquei de Tyro, hei de arriscal-os
De novo, e dar as vélas?... Antes morre,
Que o mereces; com ferro a dôr atalha.
Tu por meu pranto, irmã, tu me aggravaste
O furor e ao tyranno me exposeste.
600Não podera eu viver de crime izenta,
Como fera, solteira e sem martyrios?
Fementida a Sicheu manchei as cinzas.»
Taes do seu peito as queixas rebentavam.
     Já, tudo a ponto, certo de ir Enéas
605Adormecia a ré. Torna-lhe em sonhos
E o reprehende a visão: Mercurio he toda
Em vulto, em côr, em voz, na loura coma,
No talhe esbelto e juvenil meneio.
«[1]Como! filho da deusa, em tal perigo
610No somno pégas? nem, demente! enxergas
O que ha de roda? os zephyros suaves
Não ouves respirar? Perecedoura,
Ella enganos rumina e atroz maldade,
E n’um fluxo e refluxo irosa ondêa.
615Podes inda, e o fugir não precipitas?
Com madeiros verás turbar-se o pégo,
Tochas luzir, ferver em fogo as praias,
Se a aurora aqui te apanha. Eia, a tardança
Rompe: he sempre a mulher vária e mudavel.»
620E assim na treva se involveu da noite.
Espavorido acorda: «Acima, alerta,
Brada o heroe; pannos fóra, gente aos remos:
Insta comigo o messageiro ethereo
A que abale no instante e pique amarras.
625Nós, santo deus, quem sejas, te seguimos,

  1. Aspas ausente no texto original; é provável que elas comecem nesse verso (609).