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Página:Eneida Brazileira.djvu/136

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campos, á Acheronte, á Estyge; De Dido acerbos fados lêr mormente Folgava sôbre a lousa desse ingenho, Terno e sublime quando os transes narra Da lastimada misera raínha.» — Mme de Staël, senhora de finissimo tacto, no seu livro da Literatura, dice: «L'émotion produite par les tragédies de Voltaire est donc plus forte, quoiqu'on admire davantage celles de Racine. Les sentiments, les situations, les caractères que Voltaire nous présente, tiennent de plus près à nos souvenirs. Il importe ao perfectionnement de la morale elle-même que le théâtre nous offre toujours quelques modêles au-dessus de nous; mais l'attendrissement est d'autant plus profond, que l'auteur sait mieux retracer nos propres affections à notre pensée.» Estas reflexões concordam com as de Racine no prefacio da Phedra quanto ao pathetico, e igualmente mostram que o poeta pode, não digo ir de encontro, mas aperfeiçoar a natureza (permitta-se-me a expressão) e modificar a história, ora para crear modelos acima de nós por interêsse da moral, ora para commover com a pintura das nossas fraquezas e das nossas affeições. E que! Mr. de Lamartine, quando quer antes ser grande poeta do que máo crítico, não pratíca o mesmo que reprova em theoria? Acaso em suas bellas paginas segue elle sempre a história, sem nada pôr, sem nada tirar? Acaso escreve só a verdade nua e crua, ou lhe prefere ás vezes a verosimilhança, conformando-se ao plano de suas concepções? Se os poetas fôssem coartados nesta liberdade, adeus poesia! — Quanto ás frias galanterias, direi que em toda esta verdadeira tragedia não ha um coloquio amoroso: a primeira vez que ha um dialogo entre Enéas e Dido, he quando ella, pressentindo que a frota vai partir, vem accusal-o de traição, e misturando súpplicas e queixas (admiravel passagem!) acaba por lhe deitar em rosto os beneficios, e sem lhe admittir as desculpas, o ameaça e foge, cahindo nos braços das famulas. Serão estas as frias galanterias da raínha de Carthago? — A proposito desta questão, offerecerei o juizo de Ferreira, cuja musa era a razão esclarecida. Á vista de um retrato de Dido, em nome della, tomando o tom do philosopho que reclama o rigor da história, fez o seguinte epigramma: «Á mão do pintor devo nova vida. Maro me deve a honra diffamada: Nem Dido foi de Enéas conhecida, Nem viu Carthago sua frota errada. Eu mesma me matei, porque sostida Fôsse a fé casta a meu Sycheu só dada; Vinguei sua morte, ergui nova cidade. Valha mais que os poetas a verdade.» Esta optima composição parece provar que o Horacio Lusitano rejeitava esta ficção de Virgilio; porêm não: como philosopho, pugnava pela verdade historica; como poeta, conhecia o proveito que da mesma ficção podia tirar-se, e a seguiu á risca na sua egloga VIII. De ambas as maneiras, patenteou o seu tino e delicadeza em discernir quando cumpre ou invocar a verdade ou ceder aos vôos da imaginação. Mas Ferreira não se contentava só do seu talento, folgava de o temperar com o saber accumulado pela experiencia dos antigos, e escrevia depois de longo exame.