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Na existencia social, possuo uma arma
— O metaphysicismo de Abhidharma —
E trago, sem brahmánicas tesouras,
Como um dorso de azémola passiva,
A solidariedade subjectiva
De todas as especies soffredoras.

Com um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo á Natureza Humana.
A podridão me serve de Evangelho...
Amo o esterco, os residuos ruins dos kiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!

Tal qual quem para o proprio tumulo olha,
Amarguradamente se me antolha,
Á luz do americano plenilunio,
Na alma crepuscular de minha raça
Como uma vocação para a Desgraça
E um tropismo ancestral para o infortunio.

Ahi vem sujo, a coçar chagas plebéas,
Trazendo no deserto das idéas
O desespero endémico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens,
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Philosopho Moderno!

Quiz comprehender, quebrando estereis normas,
A vida phenoménica das Fórmas,
Que, iguaes a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na idéa gasta
O horror dessa mechanica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!