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Página:Eu (Augusto dos Anjos, 1912).djvu/11

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E hão de achál-o, amanhã, bestas agrestes,
Sobre a esteira sarcóphaga das pestes
A mostrar, já nos ultimos momentos,
Como quem se submette a uma xarqueada,
Ao clarão tropical da luz damnada,
O espolio dos seus dedos peçonhentos.

Tal a finalidade dos estames!
Mas elle viverá, rôtos os liames
Dessa estranguladora lei que aperta
Todos os aggregados pereciveis,
Nas etherisações indefiniveis
Da energia intra-atómica liberta!

Será calor, causa úbiqua de gozo,
Raio X, magnetismo mysterioso,
Chimiotaxia, ondulação aérea,
Fonte de repulsões e de prazeres,
Sonoridade potencial dos sêres,
Estrangulada dentro da materia!

E o que elle foi: claviculas, abdomen,
O coração, a bocca, em synthese, o Homem,
— Engrenagem de visceras vulgares —
Os dedos carregados de peçonha,
Tudo coube na logica medonha
Dos apodrecimentos musculares!

A desarrumação dos intestinos
Assombra! Vêde-a! Os vermes assassinos
Dentro daquella massa que o humus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadellas que as dentuças trincam
No espasmo physiologico da fome.