Página:Evocações.djvu/17

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definitivamente n’ella, todo esse brilho e viço victoriosos, por uma surprehendente transfiguração, desapparecerão para sempre, e então, tu, livido, tremulo, espectral, phantastico, terás o impressionante aspecto angustioso e fatal do lugubre apparato de um guilhotinado...

A Arte dominou-te, venceu-te e tu por ella deixaste tudo: a viva, a penetrante, a tocante affeição materna, de um humano enternecimento até ás lagrimas, até á morte, até ao sacrifício do sangue. Por ella deixaste esse affecto extremo, louco, quasi absurdo, de tua mãe — cabeça branca estrellada de amarguras, Espirito celestial do Amor, aquella que nas miragens infinitas e nas curiosidades enigmaticas da Infancia, santificou, ungio o teu corpo com o oleo sacrosanto dos beijos.

Tudo esqueceste, para vir fecundar o teu ser nos seios germinadores da Arte. E, quando alimentado, quando conquistado e vencido por ella, quizeres voltar depois aos braços acariciantes de tua mãe, n’um risonho movimento de affectiva alegria, clara, fresca, espontanea, sadia e simples como a de outrora, esse movimento lhe parecerá funesto e acerbo, como o rictus de uma caveira, sem jamais o antigo encanto e frescura.