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lhe que a exuberancia do intimo se amortecia, se coagia; certa tristeza, certas recordações vagas de infancia, quando aprendia o catecismo sobre os joelhos de uma mãe pledosa e simples, quando folheava pesado Evangelho de illuminurias surgiam-lhe nitidas, inquietadoras em a mente alvoroçada; ou presumia elle, seria devido á força do amargura, de dôr que se desatava realmente d´essa florescencia da Quaresma, que tambem o fazia perceber no ar que as circumdava, traços de lagrimas, irradiações violaceas, fragmentos de coração despedaçado, manto roxo de N. S. das Dôres. Pouco acima, pendurada, pequena tela sombria se mostrava; Armando levantou-se para observal-a de mais perto e com as mãos sobre os olhos, fixava attentamente essa Madona e o Infante, cópia de Cimabue, pintor florentino do seculo XIII: as linhas eram largas, duras, rijas da eschola byzantina, embora já trahindo a influencia do Renascimento na forma e na expressão. Armando adorava essas imagens antigas e possuia alguns bons specimens na sua sala de trabalho. Fitando-a, elle pensava: "Que differença das Nossas Senhoras modernas! esta aqui sevéra e sobria, interpreta cabalmente a ideia que os nossos antepassados faziam dos deuses, tidos como juizes absolutos. À Immaculada de Murillo do seculo XVI, suave, meiga, terna, traz os caracteristicos da mossa concepção sobre a Mãe de Deus...”

As conjecturas do chronista perdiam-se na aureola de oiro, no olhar obliquo, no nariz fino, recto, que desce da austera Madona, nas sobrepelizes, nos