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Ladice deitou-lhe um olhar longo, sombrio, e falou sorrindo:

— Qu´importa! A morte me será bemdicta... Recebel-a-ei como a ultima das volupias humanas...

— Mas é uma volupia que só desejamos quando o derradeiro pedaço de oiro da vida nos rola das mãos; quando já deixamos atrás de nós, esse instante unico da existencia, em que nos é dado brincar com o azul, à ebriez, a imperfeição, em que bebemos o luar em fundos de palmas macias e roseas; em que encaramos os astros com a altivez de um rival...

O ar fatigado da tarde, a fragrancia um pouco activa da flôr do Imperador em um jarro ao lado d´elles, o pallôr da luz já bastante amortecida, o sofá, a rêde, as sedas, a juventude de ambos e a solidão que os cercava, embriagavam-n´os, intoxicavam-n´os brandamente, enchiam-n´os de poesia, de sentimentalismo, de amor. Suas vozes misturadas faziam um murmurio abafado, um som de cinnor hebreu, um rythmo mavioso...

— Morrer-se moça, que cousa bella! — Exclammou ella. Imagine Doutor, um corpo que tem do pé á cabeça rosas abertas, entrelaçadas, suffocadas de sol! Um corpo, em que a seiva corre de ponta a ponta, qual brado de guerra, qual epithalamio entoado por vozes varonis, cair de repente inerte, silencioso, terrivel como um ponto final, um limite, porém majestoso, sublime, orgulhoso, porque não morreu de todo, pois, a sua ebullição, o seu amor, a sua magnificencia pairarão no ether, no verniz das folhas, nas brumas,