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argolões de ouro, de saia rubra, perseguida por sonhos tenebrosos: deslocações bruscas, sons abafados, manifestações epilepticas, sussurros de colera, visões macabras. As montanhas ao redor assistiam enternecidas, sombrias, por vezes aterradas, a esse somno agitado, tumultuoso. De um lado, o Pavilhão Mourisco ardia em uma orgia de luzes, de côres, de deslumbramentos: era a fantasia de um fakir que se animava... Beijando as collinas, as palmeiras, se alongavam frementes de goso e de orgulho, — berços fluctuantes onde o coração das mulheres romanticas se embala constantemente, cofres maravilhosos, onde se amontoam as primicias do ether, do tempo, do sol, das horas. Plantados a esmo, por mão sinistra entre paredes brancas, traços negros, punhaes manchados,—os cyprestes—lamentações de agonizantes. Ferindo o espaço de continuo, enxalmos de movimentos accelerados, rapidos, velozes, de olhos inflammados, quaes feras embravecidas, iam e vinham allucinados... A´ esquerda o morro da Viuva, nostalgico, saudoso, como um vate byroniano, como uma paisagem normanda, distillava uma doce melancolia, era a nota dolorosa, era o brado de paz, de carinho, de sympathia, de saudação ao Atlantico submisso, á náo estrangeira que aportava. Amarrado por uma corda lassa e grossa, um barco triste e vazio boiava, qual esquife abandonado. Beirando o mar, ao longo do cáes, archotes em combustão, atalaias em flamma, columnas incendiadas, guardavam a praia, multiplicando-se indefinidamente em a agua nutante. Em frente o Pão de Assucar, todo envolto em fina nevoa, perdera a ferocidade, a rudeza, a grosseria de