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sua substancia vista á claridade, a olho nú; tinha o ar brando, ameno, quasi beato, quasi seraphico, dir-se-ia um monge a implorar a Deus a perpetuidade das cousas, sob as pregas rudes de seu capuz escuro. As ilhas esparzidas aqui e alli eram, como exemplos de solidariedade: flora, seiva terrena, implantados em a vida, em o seio marinho...

A aragem agora se tornara mais fresca, mais subtil e entrava pelos cabellos de Ladice, pelas rendas de seu vestido. Theophilo, a seu lado, mostrava-lhe as montanhas de além, apagadas, indecisas, esfumaçadas e dizia-lhe: “Meu Deus, como eu desejava saber as reminiscencias, as recordações que ellas trazem em seu bojo, em seus flancos, em seu granito, dos primeiros navegantes que aportaram a estas plagas, das caravellas enfunadas, arquejantes, desalentadas, pejadas de um punhado de gentes aventurosas, épicas, guerreiras, avidas de renome, de liças, de thesouros, de riquezas!... — Montanhas ilhas, rochedos, que fostes testemunhas dessa posse primitiva, sem resistencia, infantil de quem chega primeiro e grita: é meu! dizei-me o rancor, as imprecações, o pavor desses indios de arcos tesos, de flexas molhadas ea curare, promptos a trespassar, a varar os usurpadores de seus direitos... Murmurai-me a crueldade que usaram para com elles, esses selvagens bravios, errantes, livres, que vivian a vida primeva, essa boa vida ingenua que se gasta entre uma sésta e uma caçada, sem tormentos de imaginação, nem subtilezas de moral... Indigenas impetuosos, destros, temerarios, nativos de minha terra, eu vos saúdo, vós que trazeis em a côr avermelhada de vossos