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sações doces, dos desejos infindos... Meus labios soprarão em seus labios o cantico glorioso da resurreição, o cantico da mulher e do homem!...” — E Ladice, se preparava, se vestia, se fazia inconscientemente bella.

A doença de Theophilo a apavorava. Era a nota aguda, fixa, clara que se levantava em o “sabbat” prodigioso que lhe sacudia o cerebro. Ella queria parar suas ideias, saboreal-as, soffreal-as, sentil-as; mas ellas substituiam-se rapidamente, transformavam-se, com a celeridade de trens que correm, de panoramas que se succedem, de espadas que se ferem. A sua consciencia, vagamente, apagadamente, assistia a esse acommettimento cruel, doloroso, de sua intelligencia e recebia como lampejos de luz um ou outro pensamento que por intermittencias se destacava do todo, projectando-lhe em o intimo a lucidez, a responsabilidade. Ella era a filha da natureza como os passaros, as flores, e como lles tinha o direito de amar. Nada tinha que temer dessa visita perigosa.

Theophilo morava sózinho, em companhia de um criado inglez, em a “garçonnière” de um irmão que viajava actualmente.

A sua mulher se achava fóra, para o interior, em casa da familia; mas, esses cuidados passavam logo, entravam para a penumbra, eram supplantados por outros; emoções novas surgiam e ella mais uma vez se rendia á injuncção poderosa de sua natureza, ao romantismo que vestia as suas sensações, tornando-se a Ladice palpitante, á caryatide amorosa que carrega sobre a cabeça o peccado luminoso das mulheres extraordinarias.