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Uma pequena indecisão, e Ladice batia, ligeiramente, mysteriosamente, quando a porta se abriu de par em par e Theophilo pallido, fremente, a enfrentou. Como a onda que embate em a onda, como o espaço livre que se lança contra o obstaculo resistente, como o movimento que se segue ao esforço consciente, ambos impellidos pela paixão, foram um para o outro, abraçaram-se longamente, perdidamente, silenciosamente, como os elementos, as cousas materiaes, as montanhas, os rochedos que caem uns sobre os outros, a se desfazerem, misturados, rolando, fundidos, confusos, inalienaveis, perdendo a feição primitiva, assumindo uma nova, fazendo-se um só! Ladice inteira se rendia á violencia dessa effusão. Ella sentia pousar-lhe sobre o corpo naravilhoso de porcellana quente trophéos sublimes, radiosos, sudarios ardentes, rubros, tecidos pelos dedos de Aphrodite.

Languidamente branca, quasi etherea, de uma espiritualidade dolorosa, de uma ternura doentia, Ladice, sorria, estratificada por sensações implacaveis, grandiosas, estranhas, uniformes, de um amor permanente, continuo, exclusivo, anormal, vasto. E elle falava-lhe assim:

— Na tua belleza debil de gestos classicos, de passo cadenciado e esquivo, em teu olhar de amorosa renitente, eu te reconheço, nympha divina... Vens da antiguidade, da Etruria famosa... O vento do desejo enfuna a tua chlamyde carmezim, e os teus cabellos, trançados de rosas, de iris, de musgos... Seguras nas tuas mãos, alongadas pela força de teus espasmos, a taça de vinho e de mel, que seduz a humanidade, e