Página:Exaltação (1916).pdf/214

Wikisource, a biblioteca livre
— 206 —

effusão rubra de seu amor; ella, que trazia a sua sensibilidade contaminada por outros fremitos, por outros abalos tão estranhos, tão mysteriosos quanto os seus; ella, que não era mais ella, porém a mulher sublime, que recebera dos labios da Vida o triumpho, a consagração, a espiritualidade, o complemento humano, natural, terrivel, destructivo de uma individualidade, via surgir, levantar-se, crescer, dilatar-se, manifesto e vehemente, qual irmão gemeo de seu amor — o soffrimento... Dos pés á cabeça rolava-lhe, tenebroso, esse trovão, sacudindo, ameaçando, alluindo a debilidade de seu organismo. Ella começava a viver e a morrer; entrava no ultimo acto dessa tragedia, delirante, amarga, violenta — fim maravilhoso, onde se quebram as naturezas excepcionaes, insignes, estravagantes.

Ladice já transpunha o limiar da porta, com a alma espinhada, acutilada, por saudades indiziveis, eculeas, excessivas, quando voltou de novo para contemplar mais uma vez esse perfil, que era a sua exclusividade, a audacia de seu sentimento. Beijou-lhe o braço seguidamente do hombro ao cotovello, com a demencia, a determinação de moribunda, que ama e não quer deixar a vida... E saiu...

Ao chegar em casa, a Senhora de Assis encontrou Armando Sueiro e Francisco que a esperavam:

— Demoraste muito, pensei até que algum mal te tivesse advindo — disse-lhe o marido, beijando-a.

— Fiz um grande passeio. A tarde estava deliciosa, cheia de lyrismos... Esqueci-me de ti, de tudo.