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gante, talvez; já sabes que não sou como as outras...

Ladice mediu-o de alto a baixo admirada de ainda não haver sido comprehendida por um homem que a via todos os dias e que era assaz intelligente... Ella, a grande amorosa, que trazia em a pallidez de seu corpo, a tragedia dos sentimentos; ella, que dizia sim ao seu amante; ella que sentia desentranhar-se-lhe em os nervos o espasmo de todos os amôres destruidos. E Ladice sorriu.

— Tens razão, és sublime, não te igualas a ninguem; perdão... — E Francisco beijava-lhe as mãos, os pulsos, arrependido d´aquella censura, cheio de amor e de veneração para com essa mulher fragil e superior — “E´s o meu thesouro...”

Ladice estremeceu involuntariamente ao ouvir essa amabilidade tão vulgar e lembrou-se das palavras que Theophilo lhe repetia de continuo: “E´s o meu orgulho.” Depois de um pequeno silencio:

— Tu te enganas, não sou o teu thesouro; sou apenas um fragmento da natureza, uma vontade que dentro em pouco deixará de ser — disse ella, sorrindo.

— Estás metaphysica hoje... Mas a vontade quando é forte não morre, permanece...

— Mas eu sou a vontade que quer morrer, comprehendes?

Francisco fingiu não a ter ouvido. Elle não quiz entrar em o detalhe d´essa phrase, temendo augmentar a languidez de sua mulher. Inquietava-o o seu pallôr, o seu alheamento a tudo. Elle passou o resto do dia preoccupado. A´ tarde, ao chegar da rua, encontrou-a