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esse negror que é o fundamento de tuas claridades, que é o teu mysterio insondavel... — E a sua cabeça pesada de tristeza caia sobre o peito de Theophilo.

—Mas fruirás de mim eternamente... somos um do outro, livres; o casamento sem amôr é um contracto que se desfaz, é a victoria da hypocrisia, é o successo da mentira... Sê minha para sempre, hoje, amanhã, agora... Iremos para longe, conhecerás a poesia morbida, a vassallagem perfumada, divina que enlouquece as sensibilidades nervosamente selvagens como a tua... Serás o meu idolo hindú... Este teu pézinho curto e fino receberá todas as manhãs o beijo da minha exaltação e do meu amôr, a rosa da minha adoração e do meu culto... Rezarei deante de ti, a fronte no chão sob o angulo de minhas mãos atiradas para a frente, juntas, reunidas.

Ladice o interrompeu: A sua voz tinha a lentidão das petalas quando tombam...— Durante o dia, serei, porém, o teu enigma cruel, a tua perplexidade, a mulher que ama e que se não dá... a ideia que se adora, que atormenta, mas que se não toca...

Estas phrases bateram em o ouvido de Theophilo como sendo a energia suprêma da seducção e elle replicou...

— Mas á noite ver-te-ei ao meu lado estreita, branca, luminosa, flexivel, avida como flexas que se despedem... Serás a hora fecunda, dominadora, senhoril do meio-dia, a se immobilizar com toda a sua espiritualidade rubente, o seu alarido de fulgores, o seu abrasamento universal...

Ladice o interrompeu.