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vam alucinados a esta pergunta. As veias de sua fronte se mostravam em relevo.

— Mais tarde; ainda não... espera um pouco... — E seus braços se pousaram ao redor do pescoço de seu amigo.

— O meu espirito te deseja, a minha alma de artista, os meus olhos, as minhas mãos. — E os traços de Theophilo se aguçavam de paixão.

— Tu me terás como o sol tem a terra— disse ella repetindo a sua propria phrase, accentuando, porém, cada palavra como quem enuncia uma resolução repentina. Emquanto Ladice arranjava o chapéo, Theophilo espalhava pelo chão, desfolhando, as flores que lhe ornavam a sala.

— Oh, a sensação estranha que experimentarás em pisando cousas onde a vida palpita por instantes escassos. Cada vez que teu pézinho se levantar, uma deixará de ser: é como um beijo dado, um olhar que se perde, um fremito que se finda, um traço de belleza, que se esvae, uma sublimez que foge, um raio de juventude que passa, é uma etapa de menos para a destruição... E´, afinal, a paz, a grande paz, a alegria dos corações sem fome...

— Eu não gosto da paz nos sentimentos, retorquiu Ladice, approximando-se: E´ uma especie de insensibilidade, é o fim da sensação... dá ideia de esterilidade.

— Nunca a poderias gosar; não é a tua feição... E´s rapida, febril; e ella é monotona; lembra a vida de instincto, a vida funcção; é um machinismo desarranjado — accrescentou elle, abraçando-a.