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para mim, é o sou halito, a sua aspiração, o seu perfume, que recebi em a bôca...

Poeta, tens o meu coração, a minha alma!

Dou-me ao teu eu, como me hei dado ao Sol e á Treva.

Estrellas, que me vêdes, Silencio das Horas, que dormitam, sois testemunhas da minha offerta a Elle...

LADICE.

11 h. p.m.

P. S. — Fiquei-me em a bôca do Poeta...

Esgueirei-me, passei através da fendazinha de seus dentes.”

* * *

Os nimbos de ouro que a envolviam quebravam-se. Ladice amava Theophilo. A sua presença animara os seus sonhos, dera vigor, palpitação, sopro, verdade, desdobramento ás suas conjecturas indefinidas, vagas, aereas.

Ela o vira; segurára-lhe a mão; ouvira-lhe a linguagem divina; retivera, embora fugazmente, nos seus, os olhos delle; e, emquanto elle não se casasse, tilintava-lhe em o senso, a esperança.

Ladice tornára-se supersticiosa, agarrava-se aos bons angurios com anciedade; si, porventura, ao desfolhar a margarida, a ultima petala lhe dizia um sim, si ao passear nos jardins, as moscas verdes se cruzavam á vista, enroladas em raios de sol, uma alegria febril invadia-lhe, contrahia-lhe o sêr, ebrio de si mesmo.

Mas esses instantes ditosos eram raros, perdiam-se em o espaço, volatizavam-se; quasi sempre, a sua