philo, encaminhando-se para o piano e abrindo-o: — Dona Ladice, queira fazer um pouco de musica; alguma cousa de muito romantico...
— De olhos bistrados e attitudes languidas?— inquiriu ella, rindo muito os olhos nos olhos de seu amante.
— Não, de membros elasticos e mysteriosamente romantica — respondeu o Poeta, baixinho, entre dentes, as pupilas em fogo.
— Beethoven? — indagou ella alto.
— Não, a tua alma e a tua dôr — murmurou elle.
Theophilo sentou-se na mesma direcção, porém distante, em uma cadeirinha baixa de longo espaldar, que elle adivinhara ser propriedade exclusiva de Ladice: cobria-a um pedaço de setim azul, atirado negligentemente.
João, apesar de conversar, não deixara de seguir attentamente os minimos movimentos de Ladice e de Theophilo. Aquelle rapido dialogo em o piano lhe deu certo mal estar, embora nada tivesse percebido do colloquio de ambos. Esse leve e involuntario rancor lhe servia de instrumento de combate, em revelar a verdade, em pôr a nú as pequenas perfidias da mulher, em destruir-lhe as grandes apparencias. O despeito de Armando o tornava um sceptico, um corrosivo, um impio aventureiro em pós esgares femininos, façanhas duvidosas, exaggeradas em a sua raiva infructifera. Esses dous negadores assumidos, esses dous nihilistas de ficção se enganavam mutuamente, dilatavam a mentira, escondiam a realidade a si mesmo, cada qual