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qualquer cousa de mysterioso que não comprehendo... Oh! cabellos adorados, tendes a sombra inquieta do meu amôr e do meu Desejo. E ella então se recordava que esses cabellos de silencios só se agitavam, tinham coleios de alento, de excitação, meneios de vida em o espasmo suprêmo... Oh! como gostava descer sobre elles, os seus cabellos ardentes que pareciam conter o impeto dos deoses, a desordem dos pollens, cravados de anténnas? E seu sangue se accelerava em pensando em a volupia cruciante de Theophilo ao sentir rolar-lhe sobre o corpo esses cabellos ebrios d´elle, lubricos como a boca de Pan... De suas cellulas apaixonadas se erguiam quaes labaredas em desatino essas palavras: “Thêo, Thêo, eu sou o escaravelho de oiro agarrado ao teu coração... O meu corpo se sustém á altura de teus labios como sendo a evaporação transcendente do mais renitente e insoffrido dos amores... Absorve-o, aspira-o, tritura-o... E´s o seu dono e o seu sol...” — As notas se perdiam, se abafavam até a cessação completa...

Vendo-a fechar o piano, Theophilo veio-lhe ao encontro:

— Como, já acabou? Não é possivel...

— Ah, Thêo, não posso... soffro... beijo-te — murmurou ella, a voz entrecortada, o labio meio estirado, totalmente perturbada.

Parecia a Theophilo que a figura convulsiva de sua amante lhe entrava por todas as fisgas do ser qual radio luminoso e fatal; sem pronunciar uma só palavra, voltou-se, sentou-se no mesmo lugar, fóra de si, estonteado.