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— Armando descobriu a tua paixão por Theophilo; não lhe temes a indiscreção? —perguntou João a Ladice.

Os dous passeavam. Era uma d´essas manhãs brancas que só as serras nos sabem offerecer. O nevoeiro descia das montanhas em arrancos voazes, balroando nuvens, esgarrando-se, descosendo-se, precipitando-se, abalando silencio dos ares com o seu silencio em um tropel furioso, infrene: dir-se-ia a fugida espavorida de Alóides perseguidos... Resvalava pele arvoredo, roçava as frondes, abraçava o casario, estreitava as corollas, beijava o chão, envolvia os passantes, dilatava-se pelos vãos, sempre veloz e voluvel, n´essa furia insana e amorosa. Era a vezania do céo pela terra; era a attracção obstinada das alturas pelas planicies; era o insoffrimento acerbo, a volupia, a effervescencia dos extrêmos a se unificarem; era a grita surda de desejos inorganicos... E as nuvens passavam, lá se iam de roldão, turbulentas, alacres, levando cada uma em seu regaço, em suas dobras, uma reliquia de amôr, uma doce recordação, a paz de uma ancia!... A natureza se estarrecia assombrada; pelas seivas, gelido suor corria, em vendo a terra opprimida, violentada pelo nevoeiro lascivo...

— Não, não temo pessoa alguma...

— Entretanto, ha annos atrás, não eras assim heroica ...

— O meu amor me tornou a mais sublimada das mulheres e me deu poderes extraordinarios, concepções estranhas... Ha instantes que quando digo: