jogo de claro e escuro, de tons severos e rubidos, cheia de flexibilidades estonteantes...
Certo dia, interrompendo-lhe uma das meditações, abeirou-se della:
— Em que pensas tu, virgem dolorosa?
— Em que deveria ter sido? — respondeu ella, suspirando, continuando a tecer grinaldas com as flôres dos trevos.
— E no que deverá ser? — interrogou-lhe João.
— Quero ignoral-o.
— A moça só pensa no futuro... Ainda não tens passado... — Acrescentou elle.
— Qu'importa, sou do ultimo momento.
— Voltaire era assim, e eu tambem... Mas tu, querida, não pódes; a tua idade não te deixa ter essa calma necessaria.
— À minha calma vem da indifferença...
— Como indifferença? tu que és qual naveta viva, solta no universo. Ah! já sei... Alguem te aborreceu hoje... E' por isso que não és tu mesma, Que ha? Conta-me. Minha tia ainda muito zangada?
— Mamãe sempre terrivelmente severa descobre o mal em tudo o que digo e faço... Acreditas que me prohibe ir á janella, apesar de distar da rua tres metros?
— E' risível... Não estamos mais em os tempos medievaes. Teus pais laboram em um grande erro. Mais tarde, a reacção póde ser violenta — accrescentou elle baixinho, como se falasse comsigo. — O casamento é uma prisão, porém mais branda. Espera, filha, e alcançarás certa liberdade...