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Apesar de lêr duas, tres vezes, Ladice não apprehendia a significação das palavras. Ella tinha a impressão de vacuidade; ella se sentia um cofre vazio, um grande intervalo, um espaço limitado, os contornos organicos de um corpo baldo de ideia, de discernimento, de determinismo. Ella era a palavra solta desprovida de senso; era o horizonte empalidecido sem o rubor, a flamma, o oiro do sol, que lhe foge; era a nuvem radiosa dos cimos, adelgaçada pelo vento ululante...

Mas, de subito a consciencia se lhe despertou, bramante, completa, perfeita, extensa. Em os plasmas, em o sangue, em os nervos serpeavam-lhe o terror demente, o assombro, o pavor tenebroso, horrido da amante que comeu o coração do amante, o desmaio inverosimil, mortal, destructivo, da finalização, da conclusão... Reboavam-lhe agudas, pungentes, em os compartimentos do sêr, esse grito legitimo, esse reclamo amoroso, essa censura meiga, de natureza simples, modesta, sem arroubos e grandeza... “Ella tambem o ama,” repetia Ladice, a voz rouca, não d´ella, recebendo sobre a sua agonia immensuravel dominadora, a tristeza mansa, resignada de Rahel. Com mão febril, principiou a remexer nos papeis a procura de outras cartas. Encontrou-as em profusão, todas cheias de carinhos, de rogos, de humildade apaixonada. Algumas traziam recados em letra de creança, afim de melhor enternecer a sensibilidade do pai transviado. Finalmente sob um livro, Ladice descobriu um telegramma recente, chamado urgente de Rahel que