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Cortava o dorso do Poeta, o grande arrepio. Os olhos de Ladice através de violeta lhe patenteavam os olhares de passados remotos; em a sua boca, elle via fanada, murcha, apagada, gélida a ebriez rubente, estridula dos beijos vivos...

Em essa pelle violeta, em essas mucosas azinhavadas, Theophilo revia as nuanças das cousas gastas, servidas, usadas, envelhecidas que já foram, que repoisam em catacumbas, que trazem as sevicias dos annos, do peso dos seculos, das civilizações de antanho; a dôr da dôr, a dôr do prazer acre, o rebôo taciturno, extactico de vertigens banidas e mortas...

E os musculos e as sensações do Vate se torciam pesados, lentos como o ranger de gonzos buidos, como a contorsão das barras de ferro em o desvario devastador do fogo.

A attracção furiosa de todas as impossibilidades de agarrar o que foi, o que passou, o que é ignoto e os instinctos dormentes das gerações extinctas dos factores do seu eu, arremessaram-n´o contra Ladice com a voracidade infrêne, curiosa do Presente; com os dedos arqueados qual garra de animal faminto, elle rasgou os véos que a envolviam exclamando: “Resurreição!” De ponta a ponta o corpo de Ladice surgiu branco, magnifico, formoso, fresco como uma aurora se libertando das entranhas negras da noite.

Theophilo poz-se a beijar-lhe o pé, a rosa, a perna, dizendo, a voz cortada: “Beijo-te o pé, a base, como a adoração, a prece, o incenso, a seiva, que cresce, que sobe, que se diffunde, que te cobre, que te subjuga, que te suffoca.”