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Como eu senti o limite, a justa medida, a balisa das condições humanas, da bôa educação, do que é permittido pela sociedade... Dir-se-ia que uma linha tangivel, palpavel, de licença, atravessava, separara, indicava o bem do mal, o moral da immoralidade...

Meus olhos vagavam de homem para homem: a mór parte aparentava o mesmo geito, a mesma postura, o mesmo aspecto: ar de quem se sente contrafeito, de quem se reveste de maneiras alheias, de quem tem o que não é seu...

Percebi como a fragilidade de nosso sexo é uma dominação; a homenagem do homem nos augmenta o orgulho e amplia-nos a vaidade.

De repente, sem saber por que, emquanto o meu companheiro, estreitado em uma casaca severa, me dissertava sobre a arte da “toilette” feminina, fui ferida por um pensamento terrivel: “Que seria de nós, mulheres, si todos elles endoidecessem, rasgassem os freios protocollares, perdessem os ademanes de prineipe... Fremi de horror. Naturalmente, o primeiro gesto havia de ser selvatico: com os dedos enenrvados, como garras, so atirariam á brancura de nossas carnes vivas e palpitantes.

— Senhorinha de Santo Hilario, a minha valsa?

Era o dr. Francisco Everardo de Ássis, que me quebrava o ouvido, reclamando-me; afugentava, inconsciente, tragedias sinistras, que não mais voltaram. Dansava commigo pela segunda vez; em um dado momento, senti-lhe a ponta do bigode tocar-me a face esquerda. Enrubeci, totalmente confusa; tive, apesar de mim, a sensação de ideias roscas, de arco-iris festi-