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— Tem razão, doutor; ás vezes, afigura-se-me trazer em o senso, passados longinguos, estravagancias de tempos primitivos: bordas de lago, meia noite, cabellos soltos, pallidez ardente, vestes fluctuantes, tumulos de lírios...

Emquanto falava, os seus olhos se fixavam em os meus.

— E' deveras estranha — murmurou elle, sério: — Já não é mais a fada do erepusculo, agora é a Senhora do Lago da Ballada de Walter Scott... Mas que poder de transformação!

E os seus olhares me vinham ternos, dolorosos... Em a sua cabeça, meio inclinada, havia muita languidez, os seus movimentos se tornaram lentos. Tirando um cigarro, disse:

— Não a incommoda o fumo?... Sou um vicioso. Com permissão — depois acerescentou, de vagar, rindo-se — é tão fragil, tão branca, tão etherea; temo que tudo lhe faça mal; e, fumando, continuou: — E' singularmente distincta e de um imprevisto estonteante...

As suas palpebras quasi faziam uma só. Summamente embaraçada, puz-me a brincar com as rosas que me guarneciam o decote: uma a uma, as suas petalas -se desprenderam, rolaram; elle abaixou-se, apanhou a mais denegrida pela violencia de meus dedos, collocou-a dentro do tampo do relogio, dizendo:

— E' o “memento” do dia mais feliz de minha vida...

Oh! alma bemarenturada, tens a tua satisfacção — pensei eu, calando em a solemnidade desse momen-