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santo, um idolozinho de bronze, de pernas cruzadas, de bôca repuxada, a eternizar um riso.

Ladice costumava dizer que a cara de João trazia escripto um romance; era uma cara altamente suggestiva; as faces um pouco magras e descoradas; a fronte larga e fugitiva; os olhos escuros e áridos; os labios finos e vermelhos, sempre contrahidos; os cabellos pretos, collados, que lhe moldavam as curvas do craneo, lembravam-lhe, suggeriam-lhe a parte insolada de além-mar: andaluzas a bailar ao rythmo de castanholas, perfis lividos, silhuetas elasticas, attitudes humildes, vigilias, insomnias, todos os peccados que ella ignorava...

— Se soubesses o quanto estás linda, assim, nesse vestido apertado, de melenas soltas, e garganta núa... Como te invejo o futuro noivo...

— Não tenhas inveja... E´s maís bonito que elle...

— Sim, mas serás delle e não minha...

— Que te importa, se gosto mais de ti que delle...

— Será possivel? Então, não o amas? — inquiriu-lhe João, attonito, retendo-lhe as mãos.

— Não, não o amo; nem terei outro amor — respondeu ella, baixando os olhos.

— E ficas noiva nessas condições?

— Apenas obedeço á vontade imperiosa de meus pais. Morreriam, se não acquiescesse...

— Mas, Ladice, não poderás viver sem amor...

— Bem sei que passarei dias insupportaveis... mas que fazer? Ah! que fazer? — E suas mãos torciam-se, agoniadas.