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O ESPERADOURO
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do gesto. Enroupava-a ua vestido de lan branca de fina textura, o qual descia-lhe do pescoço aos pés, sem ser preso pela cintura, com quanto aqui perdesse em largura. Ia aberto de cada lado desde o sobaco, e apenas unido por uma serie de presilhas ou alamares cujos extremos seguravam-se com botões, deixando apparecer por baixo outro vestido lambem de lan, mas de cor alaranjada. As mangas, pertencendo a este ultimo, eram bastante largas em cima, diminuindo gradualmente até os punhos. Nenhum ornato se notava, a não ser que as ordens de botões continuavam por cima dos hombros, ou melhor, das articulações d'estes com os braços, para seguirem pelas costas abaixo, do outro lado das aberturas. Tinha a cabeça descoberta, e os cabellos pretos cahiam-lhe soltos, bastos e compridos, até abaixo dos joelhos.

A pequena distancia, um cavallo atado a uma arvore, pascia da herva. Tinha brida e redeas, com adereços no pescoço, e uma sella de arções elevados e estribos abertos.

«E hasde te pôr em jornada a taes horas? Vaes ao menos acompanhado? — perguntou a joven.

«O meu bucellario, Itaultus, que veio commigo de Lugo, adoeceu na mesma noute da nossa chegada, e cá o deixo em S. Miguel, ao cuidado de Vimaredo. Mas que tem isso? Vou bem armado; e d’aqui a Sámanos são apenas seis léguas.»

«Não podes demorar a ida até madrugada? Porque tanta pressa, Guesto?»

«Porque assim m’o intimou Bermudo — respondeu o mancebo. — Foi o recado, que me dirigisse para Sámanos tão depressa o recebesse. Chegou pela hora de sexta. Não parti logo, e bem sabes porque: ir sem te ver, depois de tanta ausencia; faltar ao nosso esperadouro, isso não, minha Ermesinda!»

«E o diacono não te fez saber o motivo?»

«Não; nem me admira que deixasse de confiar ao andador o que deve ser cousa de grande momento?»

«De todo não te hade ser desconhecida — replicou Ermesinda, insistindo.

«Pela fé de cavalleiro que nada sei; e mal me atrevo a suspeitar.»