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1860) Boabdil, todos só postumamente publicados. Não sabemos por que não foi nenhum destes dramas representado tendo aparecido o primeiro e sendo escritos os outros justamente na época em que nascia o teatro brasileiro, que eles teriam concorrido para enriquecer e ilustrar. Ainda do ponto de vista teatral, não é nenhum deles inferior aos de Magalhães e companheiros, e ao menos Leonor de Mendonça lhes é, como criação artística e mérito literário, superior. Está este longe da intensa emoção e da alta e serena beleza do Frei Luís de Souza, de Garrett, mas não lhe está tanto da sobriedade e formosa singeleza de estilo. Publicando-o, precedeu-o o autor de um prefácio em que, de parte os inevitáveis sacrifícios à poética do tempo, há conceitos originais e inteligentes da literatura dramática e de seus meios de expressão. Mais que tudo, é interessante neste drama a interpretação do duvidoso caso histórico que lhe forneceu o tema. Além de original e psicologicamente verdadeira, é humana e dramática. Segundo o poeta, determinaram-no somente as condições do meio, «a fatalidade filha das circunstâncias e que dimana dos nossos hábitos e da nossa civilização», como ele chãmente explica, sem parecer dar maior importância ao seu achado, que não era vulgar para a época. É pelo menos reparável que fazendo teatro Gonçalves Dias só o fizesse de assuntos estrangeiros. Podia-se acaso ver neste fato a clara consciência que teria de que a nossa sociedade, a histórica e a atual, dificilmente depararia ao poeta assuntos propícios à criação dramática. Embora assim fosse, não é menos de notar-lhe a abstenção de assuntos nacionais, pois a grandeza do poeta consiste por muito em sobrepujar tais dificuldades. Quanto a trazer o índio para o teatro, como o trouxe para a poesia, parece andou acertadíssimo, sem embargo do muito que há de dramaticamente belo no I-Juca-Pirama. Mas a estética particular do governo desaconselha a invasão, ainda acompanhada de música, do selvagem no teatro.

A obra puramente poética de Gonçalves Dias sobrepujou em acabamento e mérito a tudo o mais que escreveu,